"MAROCA, A BAILAROCA" A REALIZAÇÃO DE UM SONHO DE CRIANÇA.
Eu poderia falar por horas sobre Maroca, a Bailaroca.
Desde pequena eu escrevo e sempre gostei de literatura infantil. Na adolescência era uma vergonha, né? Quem é o adolescente que diz que gosta de livro infantil? Mas eu gostava. Eu ficava relendo todos lá de casa.
Em paralelo, eu sempre gostei muito do público infantil em si. Eu amo dar aulas para crianças e, inclusive, comecei a ensinar porque uma coordenadora de escola viu o meu jeito com crianças na academia de balé onde eu fazia aulas e me convidou para trabalhar na escola dela. Amo esse universo da criança.
Então, unindo essa paixão pela literatura infantil e por crianças, nutri cada vez mais essa vontade de escrever para esse público, era meu sonho quando criança. Faziam aquela pergunta clássica: “o que você vai ser quando crescer?“, e eu respondia: “escritora de livro infantil”. Minha mãe dizia: “você pode ser médica e escritora, minha filha“, e eu olhava para ela e pensava “não, eu quero ser escritora de livro infantil“. Isso ficou um pouco guardado em mim e se tornou um grande desejo da Kamila adulta.
Eis que um belo dia, nem sei dizer como foi isso, não lembro exatamente desse momento, eu sentei na frente do computador e comecei a escrever a história de Maroca. Não pensei muito no nome, simplesmente “saiu” Maroca, a Bailaroca.
Existia esse jargão numa academia de dança onde eu fiz aulas. Sempre que uma aluna (criança) fazia algo de “errado”, a professora dizia que ela estaria agindo como uma bailaroca. Eu achava isso um absurdo. Então eu quis desmistificar isso. Eu quis trazer o termo “bailaroca” como algo positivo. Na história, a menininha Maroca sofre bullying porque ela estava entrando no ballet e não sabia muito bem o que fazer e, por isso, as coleguinhas de turma passam a chamá-la de “bailaroca”, mas no final ela descobre que ser bailaroca é “dançar com amor” e resolve assumir o apelido com orgulho.
Todas as experiências desse primeiro livro são reais situações vivenciadas por mim. Tudo! Obviamente foi um pouco adaptado, mas foram experiências que eu vivi e inclusive frases que eu realmente ouvi de professores. A frase final do livro eu ouvi de uma professora.
Eu busquei trazer de forma lúdica uma reflexão sobre o corpo que dança balé, sobre a ideia de que é preciso uma técnica perfeita para você dizer que é bailarino e dança bem. Eu sempre vi esses ideais muito enraizados nos meus alunos – mesmo que eu me policiasse ao máximo para não trazer nenhum conceito excludente nas minhas falas – parece que a sociedade já os impõe do lado de fora da sala de aula. “Não posso ser bailarina porque sou gordinha” ou “não posso ser bailarina porque bailarina é loira”, entre outros.
Eu quis colocar no livro tudo o que já vivenciei como bailarina e professora, bem como a visão que percebo que meus alunos têm do balé clássico.
A ilustração da personagem não é nem um pouco o estereótipo da “bailarina russa”; ela também não é tão “fofinha”, ela tem traços mais “largos”, e eu passei tudo isso ao ilustrador. “Quero uma menina que todo mundo se identifique“. E é lindo ver quando as crianças pegam o livro e veem que ela tem um cabelo marrom, cacheado, que ela cai na pirueta, que ela não tem muita flexibilidade, mas que no final das contas ela encanta, porque ela dança com amor.
Eu passei um pouco por isso.
Eu nunca tive o corpo da bailarina. Era até magrinha, mas não tinha um en dehors perfeito, eu não era flexível. Eu tive que batalhar muito para cada coisa conquistada na técnica do balé. Eu falo sobre isso no livro, sobre se dedicar, sobre se esforçar para conseguir atingir seus objetivos.
Certa vez, na primeira aula do meu curso em Nova York, eu ouvi da professora uma frase que nunca saiu de minha memória, só de pensar, parece até que estou escutando ela falar. Ela parou a aula logo após o adágio e disse: “você (apontando para mim) não tem a perna alta, você não gira muitas piruetas, mas você dança com amor. Você bota paixão no que faz”. Na hora, eu tive dois sentimentos: primeiro, fiquei morta de vergonha pois estavam todos os alunos (todos desconhecidos, pois era a minha PRIMEIRA aula em Nova York) olhando para mim e, quase que ao mesmo tempo, senti uma sensação de pertencimento que nunca antes havia sentido, era como se eu tivesse recebido oficialmente a declaração de “você é bailarina, sim”. Aquele momento foi realmente muito importante para minha auto estima, para minha auto valorização enquanto artista da dança.
Eu comecei o ballet já muito tarde, então tinham coisas que eu precisava de muito trabalho ainda para conseguir alcançar, mas eu amava dançar. Ouvir isso de uma professora que foi uma grande bailarina foi de uma força sem explicação…
Então eu quis trazer essa relação para o universo infantil. Eu acredito que nossas crianças, principalmente na idade inicial da técnica do balé clássico (8, 9 anos) quando a aula parece super “chata e lenta”, precisam entender que para além da técnica, é preciso de muito amor pela arte da dança, é preciso entender que ali existe uma artista, aprimorando seu objeto de trabalho (o corpo), mas que a verdadeira arte vem da paixão que depositamos em nosso “dançar”.
Tenho amado o feedback que as crianças estão dando!