Gari escreve livro polêmico no mestrado

Conheça a envolvente história de superação do gari que teve a coragem de refletir sobre o futuro do Brasil
Felipe Evangelista Aparecido, 26 anos, que trabalha como gari, escreveu uma fanfic em sua dissertação no Mestrado Profissional em História Ibérica, da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG). A fanfic que recebeu o título de “Caramuru, segundo João” é o produto da pesquisa que levou dois anos para ser concluída.
Durante esse tempo, Felipe, que também é graduado em Letras, intercalou essas duas funções: durante o dia ele exercia o seu trabalho como gari e à noite ele se dedicava à pesquisa acadêmica, investigando cientificamente a relação da identidade nacional e a mentalidade colonial. Ao terminar a pesquisa, Felipe Evangelista realizou o seu sonho de infância que era se tornar escritor e publicar um livro, mas chegou a conclusão de que a mentalidade colonial ainda permanece presente em nossa identidade nacional, limitando os nossos sonhos pessoais e interferindo em nossas vidas.
Ao terminar o Ensino Médio, em 2016, Felipe Evangelista tinha um único objetivo profissional: queria se tornar um escritor. Então, em 2017, ele ingressou no curso de Letras (UNIFAL-MG), para se aperfeiçoar na arte da escrita e aprender mais sobre a literatura. Em 2020, ainda na graduação, Felipe começou a trabalhar na prefeitura municipal de sua cidade como Ajudante Geral, cumprindo a função de gari, limpando praças, ruas e outros lugares públicos. Após terminar a graduação, Felipe ingressou no Mestrado Profissional em História Ibérica em 2022, ano em que o Brasil completava 200 anos como nação. Seguindo a data comemorativa, o gari propôs focar a sua pesquisa na investigação da influência da colonização sobre a literatura nacional.
Por meio do livro de ficção “Caramuru, segundo João”, Felipe apresenta uma questão polêmica: a identidade nacional brasileira. Ao contrário de uma identidade nacional apenas coletiva e distante, o gari propõe que o leitor ressignifique o Brasil. O leitor é convidado a escrever as suas próprias histórias pessoais e significados individuais para a pátria. Para depois, ligar essas histórias e significados à tradição coletiva. Assim, os símbolos e as tradições nacionais passam a ter um significado profundo para o leitor.
Essa transformação é demonstrada no livro por meio da trajetória do personagem João, um menino brasileiro que acha que “não é brasileiro”. João é um menino negro que trabalha na praia vendendo bijuterias. Um dia, João encontrou a epopeia “Caramuru” no lixo e depois foi engolido por um grande peixe. A partir desse acontecimento, a vida de João se torna uma ponte para resolver um problema nacional: reescrever a epopeia “Caramuru” do frei José de Santa Rita Durão. Essa epopeia é vista na fanfic como um símbolo da influência colonial sobre a literatura e identidade nacional.
Em “Caramuru, segundo João”, que é uma fanfic da epopeia “Caramuru”, João e o leitor se encontram com o Brasil. Este é representado como duas personagens interligadas, inventadas por Felipe, sendo: a Criança-Nação e o Homem-Colonização. Durante a leitura, o leitor entra em contato com o Brasil que existe dentro de si mesmo e a jornada de João passa a ser uma ponte simbólica para a reconciliação do indivíduo com a nação.
Após a publicação do livro, Felipe também se dedica à divulgação científica do seu livro nas redes sociais, estando no Instagram, TikTok e Facebook. Ele não se limita apenas a divulgar a sua obra e pesquisa, mas também foca seu conteúdo em outras pesquisas da área de Ciências Humanas e Letras. Felipe considera que a divulgação científica é importante para o avanço da própria ciência, pois cria uma ligação entre o público e as universidades.
Portanto, “Caramuru, segundo João” é uma leitura recomendada para todos os brasileiros. Esse livro, que é fruto de uma pesquisa acadêmica interdisciplinar, que uniu História, Língua Portuguesa e Literatura, parece ter a ambição de também propor uma união aos brasileiros. Mesmo que isso seja um sonho, cabe ao leitor se adentrar nessa jornada, não apenas de ler o livro, mas também de reescrever o Brasil. Este país é independente, mas, de acordo com a obra de Felipe Evangelista, a colonização ainda paira sobre a nossa mentalidade, nos limitando e nos impedindo de sonhar.
“Caramuru, segundo João” é um convite para descolonizarmos a nós mesmos, para sermos livres das amarras do passado e assim criarmos um futuro melhor.
Para contato com o autor Felipe Evangelista:
Instagram: @felipeevangelistaapa
