A realidade brutal diante da classe média brasileira
É diante dessas promessas desfeitas e das dificuldades cotidianas, que a realidade se impõe de forma brutal
"aos piores fãs de literatura russa e cinema francês" é um romance que conta a história da prostituta Anna Karina, que, após atravessar uma experiência traumática, passa a querer mudar de vida.
No entanto, sua jornada esbarra na escolha de companhias erradas e nas cicatrizes de um passado nebuloso. Dela, só sabemos o motivo pelo qual escolheu este nome de trabalho - uma referência à obra Anna Karenina de Liev Tolstói e à Anna Karina, atriz do movimento de cinema francês Nouvelle Vague -, foi no intuito de chamar a atenção dos clientes, mais especificamente de um nicho: intelectuais e pseudointelectuais, capazes de ficar horas falando sobre si próprios.
Porém, "aos piores fãs de literatura russa e cinema francês" também é uma síntese de uma geração de filhos e filhas do Brasil, que cresceu acreditando em promessas. A promessa de que o Brasil é um país em que a fome foi erradicada e que, assim, com a certeza de que todos nós temos o mínimo para sobreviver, poderíamos passar a ter outras prioridades.
A promessa de que entrar numa universidade através do ProUni, do FIES ou do suado esforço familiar em manter em dia o pagamento das mensalidades seria o suficiente para abrir portas a um maravilhoso mundo novo. A promessa de que que a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 transformariam o país em um canteiro de obras e que as cidades seriam melhores para a gente.
Assim como para a prostituta Anna Karina, a ideia de ter uma vida melhor parecia possível, mas nada saiu como o esperado. Aprendemos a negar, com naturalidade, o pedido por dignidade - dinheiro para um prato de comida. A glória de ser a primeira pessoa da família em ter um diploma, não se corresponde à realidade de que pessoas de famílias em que até os avós tem diploma universitário estão de alguma forma sempre alguns passos a frente seja pela herança, pelo nepotismo ou por simplesmente saberem como extrair o melhor de cada oportunidade.
A maior parte da população desperdiça ao menos uma hora diária para se locomover ao local de trabalho, sem contar o tempo gasto na volta, sem contar a violência, sem contar o preço do aluguel. Em resumo, "aos piores fãs de literatura russa e cinema francês" demonstra que é diante dessas promessas desfeitas e das dificuldades cotidianas, que a realidade se impõe de forma brutal.
A história de Anna Karina, a prostituta que busca uma vida melhor, reflete a
jornada de toda uma geração que, apesar dos esforços, encontram obstáculos
imprevisíveis. No entanto, é também um chamado à reflexão sobre as promessas não cumpridas, as desigualdades que permeiam nossa sociedade e o que mais podemos esperar a partir desse geração.
Sobre o autor: Pedro Enrique Pereira nasceu em 1996, no interior de São Paulo. A infância no apartamento de sua avó, no bairro de Santa Cecília, centro de São Paulo, alimenta hoje o repertório cinzento, melancólico e solitário do autor, que sustenta o imaginário de suas histórias. Rubem Fonseca e Marcos Rey são grandes influências.
Texto autoral.